A criança que não queria falar

No último domingo do mês, fui a um mercado de velharias aqui da zona, e trouxe um livro comigo. De tanta gente que lá havia a vender livros, e de tantos livros que por lá haviam, houve um que realmente me chamou a atenção. 

Isto de que não se deve julgar um livro pela sua capa, é bem verdade, mas também é verdade que a capa tem um papel bastante importante e fundamental na nossa escolha, quanto mais não seja, pela forma como nos chama (ou não) a atenção para si. 

Isto para dizer que foi esta capa que se destacou por entre as outras... 


O livro é "A Criança que não queria falar" de Torey Hayden. 

Trata-se de uma histórica verídica, que relata os meses em aula, em que uma menina de seis anos, com um passado repleto de sofrimento, abandono, abusos e maus tratos passou com a autora, uma professora de ensino especial. Uma menina com transtornos emocionais que a faziam tornar-se numa "criança insuportável", violenta, e perigosa. 

Sheila (a menina) vinha de um mundo completamente à parte, sem qualquer afetos ou condições, era má porque não sabia ser de outra forma, tinha de ser má porque o mundo nunca se lhe tinha mostrado amigável e era o seu mecanismo de defesa a funcionar. No entanto era de uma inteligência fora do comum, e de um raciocínio digno de um adulto. 

Nós que temos a nossa vidinha tranquila, não temos sequer noção da tristeza que se vive noutras partes, perto ou longe de nós, não interessa. Esta leitura, foi ao mesmo tempo dura e maravilhosa. Assistir à relação que Torey e Sheila foram criando foi maravilhoso, mas por outro lado foi violentamente surreal as coisas pelas quais a menina passou. Faz-nos colocar na pele do outro e pelo menos tentar perceber porque é que as pessoas são o que são, ou fazem o que fazem. 

Este é um daqueles livros que não conseguimos colocar de parte. Talvez me sinta atraída por este tipo de leitura, já que me lembro que houve um outro livro que li há uns anos, O Inferno de Alice, que me marcou bastante. Um livro onde a autora, uma rapariga que sofria de personalidade múltipla conta a sua história de violações por parte do pai e amigos do mesmo, e a sua confusão mental devido a tais abusos. 

São histórias que me deixam sempre de lágrima no olho, e de coração apertado, pequenino, mas que também me mostram que há esperança até na parte mais negra de cada um. E que há sempre pessoas que vão mais além do que se lhes é pedido, que ultrapassam o que se espera deles e do seu trabalho, e que fazem realmente a diferença na vida dos outros. 

Tenho dois tios com deficiências mentais, um do lado paterno com síndrome de down (já falecido), outro do lado materno com esquizofrenia. Lidar com estas pessoas. que não são diferentes, são especiais, pode ser muito difícil, mas é também muito compensador, são capazes de nos ensinar tanto, mas tanto sobre a ingenuidade, a humildade, o amor incondicional e a felicidade. 

Acabei de o ler no último domingo, e era mesmo algo assim que pretendia ler, uma narrativa fácil de acompanhar, mas com imenso sentimento, com conteúdo, algo que me prendesse, e assim foi. Recomendo vivamente, mas preparem-se porque mexe realmente com os nossos sentimentos. 

Comentários

  1. Não conheço o livro, mas lembrou-me o caso de uma menina na escola da minha que nan falava com adultos tendo chegado a fechar-se com crianças. Isto porque a anterior educadora achava que a criança ja deveria falar corretamente com 3 anos e nan importava se era filha de emigrantes. Conclusão ela falou-me.
    No fim do ano tudo estava resolvido e já a mandavam calar, pois o trabalho com carinho da educadora, auxiliares e monitoras de atl funcionou. A estratégia passou por entende-la sem que ela tivesse necessidade de falar e quando tinha aceitar que as outras crianças eram a sua porta voz. Assim ganharam a confiança necessária para ela falar.
    Claro que nada tem a ver com a menina da história, mas carinho, apoio, aceitação, compreensão e calma fazem toda a diferença.
    Obrigada pela dica do livro

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    1. Tudo isso faz diferença sim, no entanto é preciso que quem cuida tenha essa sensibilidade. Nem todas as crianças são iguais, mesmo quando têm uma vida dita "normal" quanto mais quando existem factores de risco.

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